Que vendo o triste estado da Bahia,
Não chore, não suspire, e não lamente?'
'Quem a pôs neste socrócio?...................Negócio
Quem causa tal perdição?.......................Ambição
E o maior desta loucura?...........................Usura.
Notável desaventura
de um povo néscio e sandeu,
que não sabe que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.'
'A Câmara não acode?
Não pode, não quer, não vence'
(Gregório de Matos, 'O Boca do Inferno'. Obra poética. vol I)
Passados alguns dias que Natal, nossa cidade, amanheceu muito digna da lírica do famigerado Boca do Inferno, poeta baiano seiscentista. Como a si mesmo se referiu, cantou na sua 'lira maldizente/ torpezas do Brasil, vícios e enganos'. Os versos abaixo (alguns parafraseados), de diversos poemas seus, parecem feitos sob medida para a nossa conjuntura (na verdade, toda a sua sátira bem caberia ser mencionada, mas falta espaço!):
Ó triste Natal, 'a ti tocou-te a máquina mercante,/ Que em tua larga barra tem entrado'; Senhora Dona Natal,/ 'nobre, e opulenta cidade,/ madrasta dos Naturais, e dos estrangeiros madre'; 'Muitos por vias erradas/ têm acertos mui perfeitos'; 'Quantos há, que os telhados têm vidrosos,/ E deixam de atirar sua pedrada/ De sua mesma telha receosos'; 'O demo a viver se exponha,/ por mais que a fama a exalta,/ numa cidade, onde falta/ Verdade, Honra, Vergonha'...
De cara com o espúrio esquema de corrupção montado para negociar o nosso chão, espera-se que o natalense, um a um, agora, contradiga Gregório de Matos e mostre que, ao contrário do Legislativo, a cidade tem vergonha, honra e quer a verdade prevalecendo. É hora de dar um basta, nas urnas, nos próprios ou em qualquer um seguidor das cartilhas – não custa repetir para não esquecermos – dos tais mercadores (por ordem alfabética): Adão Eridan, Adenúbio Melo, Aluísio Machado, Aquino Neto, Carlos Santos, Dickson Nasser, Edivan Martins, Emilson Medeiros, Geraldo Neto, Júlio Protásio, Renato Dantas, Salatiel de Souza, Sargento Siqueira, Sid Fonseca. Que a sociedade dê punição para quem se corrompe, mas também puna os corruptores. Que tal deixar de fazer negócio com empresários sabidamente envolvidos em esquemas como esse? A decorrada destes grandes seria a redenção para os pequenos que, com esforço e honestidade, buscam crescer no mercado, mas são engolidos pelo poder de negociata que não têm e porque preferem o caminho da correção e da ética.
É bom lembrarmos, também, que foram entidades de um bairrozinho bastante cobiçado pelo setor imobiliário e que rendeu vários embates na imprensa, especialmente neste vespertino, quem provocou a ação do Ministério Público, através de uma representação para que investigasse comentários veiculados na coluna do jornalista Woden Madruga sobre recebimento de propina por vereadores na votação do Plano Diretor da cidade. A atitude do Fórum de Entidades de Mãe Luiza mostra o quanto a sociedade civil organizada é importante para a Democracia. Mostra que as mudanças por que tanto almejamos dependem em grande parte de nós, quando exercemos o papel de fiscalizadores, reivindicadores e propositores.
O Ministério Público, seriamente, cumpriu o seu papel. E, certamente, a Justiça vai contrariar outros versos de Gregório: mostrará que não é 'Bastarda, Vendida, Injusta'. Sabemos que a Operação Impacto foi só um começo e torcemos para que esta cidade e este país sejam passados a limpo. Estas gerações e as futuras merecem ser sabedoras do que é uma Democracia e ver e sentir as conseqüências quando se atenta contra o espírito público.
De qualquer modo, cabe a nós, cidadãos e cidadãs de bem, dizer que: 'condenamos o roubo e a hipocrisia'; somos 'comensais da virtude', não a ela adversos; não temos 'telhados vidrosos', por isso, denunciaremos. Assim, continuaremos a ler o grande Gregório, mas a ele dizendo que aqueles seus versos, escrachados, verdadeiros e deliciosos, são coisas dos Seiscentos. Que assim seja!
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